SOBREVIDA ( Não se nasce FORTE, torna-se FORTE!)


  Das coisas mais importantes na vida, eu diria que saber viver é a melhor e mais intensa parte de todas elas. Neste momento estou sozinha sentada na areia redigindo este texto. A pouco, acompanhei silenciosamente o pôr do sol ( nunca antes este momento havia sido tão íntimo e cheio de reflexão na minha vida ).
  Ter a sensação de renascer  e poder pisar na areia novamente, sentir o vento no rosto e o cheiro de maresia é impagável (Recebi autorização médica para vir para a praia, com a prescrição de manter os cuidados com a proteção solar de todas as formas, depois de ter cumprido todo o protocolo das quimioterapias e estar a mais de uma mês da realização da última, agora em semana de descanso antes de dar início ao protocolo das radioterapias). Estou cheia de uma gratidão que não me cabe, nem sei explicar. A vida e a luta diária contra o câncer me ensinam sempre que não se nasce forte, torna-se forte. E força a gente tira até de onde não tem, para mostrar que a vida é feita para ser vivida.
  Hoje comemoro minha sobrevida.
  Com o vento batendo não só no rosto mas na careca também. Coloquei a careca pra jogo de uma forma como nunca havia colocado antes, orgulhosa por estar assim, careca (a careca está até cinza de tão branquinha rs com cabelinhos fininhos iguais aos de um bebê, começando a nascer), estou com pouquíssima massa muscular, começando a desinchar das medicações que fiz uso nos últimos meses, algumas gordurinhas que eu não tinha antes em lugares que em outros tempos já me fariam rever minha série de treinos aeróbicos rsrs porém, mesmo assim, estou lindamente, completamente, feliz. Se felicidade fosse radiada em forma de luz, acho que eu conseguiria iluminar esta praia inteira.
   Me recordei do quanto os longos cabelos me davam trabalho no verão e o quanto eu me preocupava com hidratações, filtro solar para os fios, cuidados com a definição e o volume... e essa economia financeira e de tempo, veio a calhar viu rs hoje em dia é só shampoo na careca e está tudo certo rs... Dentro dessa e de outras lembranças, em meio aos olhares de estranheza e alguns outros de dó, que recebo de estranhos na praia, me recordei também de um episódio de alguns anos atrás, quando uma menina que estudou na minha turma da faculdade, na qual não me recordo o nome (na verdade nunca decorei rs) em meio a um desentendimento da turma dentro da sala de aula, ela gritava no fundo da sala, quando foi calada por alguma resposta minha que a incomodou grandemente e a fez resmungar até a aula acabar estigando uma briga, que da minha parte jamais existiria e de fato não existiu. Mas não contente ao final da aula, a menina veio com ar de zombaria tentar me provocar e gritou no corredor da sala de aula:
  "-Vai cortar esse cabelo ressecado!"
  Pobre menina briguenta, não fazia idéia de quanta alegria e felicidade cabiam nos meus longos cabelos ressecados de sol e sal. Quantos momentos de satisfação, calma na alma e plenitude em cima de uma prancha no mar cabiam entre cada ondulação e frizz ...
E o quanto eu amava os meus cabelos queimados, descoloridos e mais clareados pelo verão, ressecados e emaranhados de tanto molhar e secar várias vezes nos dias de calor...
  Eu ri tanto quando percebi que para ela e as amigas, essa era uma ofensa que deveria me atingir e magoar. Enquanto eu simplesmente amava os meus longos cabelos queimados com as pontas douradas e ressecadas. Chegar no outono com os cabelos marcados pelo desgaste sofrido pelo sol e pelo mar, sempre foi o meu troféu por um verão bem vivido, feliz, regado de momentos inesquecíveis e completos com tudo que há de bom nessa vida. Percebi que passei pelos longos anos da faculdade incomodando muita gente, por chegar em algumas segundas-feiras com os cabelos granhentos de praia, pele bronzeada pelas longas horas exposta ao sol por ficar no mar em cima de uma prancha, algumas vezes chegava para a aula de shorts quando não tinha matérias que exigiam jaleco e vestimenta adequada e confesso que já fui até de chinelo, mas o detalhe mais importante que me acompanhava sempre, era um belo sorriso no rosto por voltar feliz e revigorada da praia para encarar a semana cheia que iniciaria. E é assim que sempre gostei de viver, feliz, com sol e sal, vivendo os meus verões. Hoje, autorizada pela minha equipe médica, depois de toda a longa e árdua etapa das quimioterapias, não contive as lágrimas de alegria no momento do meu tão esperado pôr do sol (escondi as lágrimas por trás do óculos), como esse dia demorou para chegar, eu nem acredito que estou aqui, sentada na minha velha canga, só que dessa vez carequinha, sem os cabelos queimados e ressecados ao vento e rindo d dentro para fora, com o coração e o peito explodindo de gratidão por ter chegado até aqui. Me ensinaram que isso se chama "Sobrevida". Das palavras que trazem lições que a luta contra o câncer me ensina diariamente, esta é uma chave. SOBREVIDA!
  Para ela (a menina briguenta), só desejo toda a FELICIDADE que sempre coube em meus cabelos de "surf girl", muita "good vibes" e um pouco mais de sabedoria com as palavras, porque até mesmo para tentar ofender alguém, precisa conhecer esse alguém. O que pode soar ofensa para uns, é motivo de riso solto seguido de uma bela reflexão para outros.
  Muita saúde para nós!!! E que os momentos de pôr do sol, sejam infinitos.
  Agora, já na companhia de uma amiga, termino este texto e deixo apenas uma pergunta:
  Se a tua vida terminar amanhã, hoje tu viveu?

Fotografia: Deborah Malta
Local: Praia de Maresias - São Sebastião SP


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