Em Leucopenia, Desejando apenas voltar a ser "A menina da Bike"

  Em um quadro possivelmente esperado durante o tratamento com quimioterapias, a queda severa dos Leucócitos e outras células da série branca (células de defesa do sangue) pode ocasionar riscos graves e extremamente preocupantes, por deixar o paciente oncológico rebaixado e sujeito a infecções que o corpo não consegue combater nem com o auxílio dos antibióticos mais fortes. Nessa brincadeira de rebaixamento, passamos por um susto nos últimos dias do 1º ciclo da 1º quimioterapia. Em avaliação clínica de rotina com a oncologista, informei que teria a necessidade de realizar a viagem para o congresso na qual teria apresentação de um trabalho científico. Mesmo muito fraca, o anseio de estar lá e apresentar meu trabalho aceito no Mundial de Obstetrícia que tanto almejei fazer parte, me dava força física e psicológica para insistir em subir minha resistência imunológica rápido, mas eu não imaginava o quanto estava realmente fraca e correndo vários riscos. Realizei os exames solicitados na manhã seguinte acompanhada do papai, e no retorno para casa encontrei a Roberta e a Claudia, amigas de muitos anos, ambas com as filhas para irmos ao shopping comprar camisetas da Campanha "O Câncer de mama no alvo da moda", com venda revertida para o Hospital IBCC (mesmo em péssima condição física, eu queria participar da campanha com a nova coleção de camisetas e incentivar outras amigas a participar tbm rs). Em meio a muitas gargalhadas maquiando meu cansaço e a sensação de taquicardia, uma ligação me pegou de surpresa e nos assustou. O hospital me contatando, para questionar como eu me sentia, informando a queda brusca da minha defesa imunológica acusada no resultado dos exames e solicitando que eu retornasse com urgência para o Pronto Socorro se houvesse qualquer queixa física e principalmente se apresentasse quadro febril, pois minha série de células brancas estava baixíssima e uma delas já havia chegado a zero. E consequentemente me atentei que estava sim com febre, mas naquele momento meu pensamento foi logo na viagem para o Rio, porque eu sabia que naquelas condições eu jamais seria autorizada a viajar e não atropelaria jamais a opinião clínica da minha oncologista, assim como não me colocaria em risco para satisfazer meus anseios. Um clima de tristeza e preocupação pairou no ar... ás vezes esqueço que sou paciente oncológica, mesmo com falta de ar, fraqueza intensa, batimentos cardíacos acelerados que parecem demonstrar que meu pulmão e meu coração não funcionam mais como um casal rs mas naquele momento mensurei todos os meus sinais e sintomas e a intensidade de tudo me chamou para a realidade, como boa enfermeira me lembrei que os cuidados e a atenção teriam que ser retomados rigorosamente e fomos para casa. (Lembrando que todos os cuidados como o uso de máscara em locais públicos ou em ambientes mesmo que ventilados, com mais de 5 pessoas. Higienização constante das mãos, lavagem com água e sabão ou com álcool em gel, são mantidos diariamente SEMPRE). E ao chegar em casa, já era noite, fiz contato com a minha oncologista que me respondeu rapidamente me orientando atentar para febre e ir com urgência para o Pronto Socorro do hospital, pois necessitava de medicações específicas de urgência para o auxílio da elevação das células de defesa, pois meu corpo não estava reagindo bem e o quadro era muito grave, já me deixando ciente que caso meus leucócitos não chegassem a no mínimo 1.500, eu não estaria autorizada a viajar, porque ela sabia tamanha importância que o  congresso tinha e que justamente por isso eu poderia estar relutante a ir para o hospital, sabendo da possibilidade de uma internação por dias.
  Deixei meus pais cientes da situação e pensei logo em um amigo para pedir para me levar ao hospital pela manhã. Sabe aqueles amigos de infância, de época de escola, que a gente tem milhares de histórias um do outro e juntos, pois é, tenho alguns desses que levarei comigo eternamente, mas sempre que preciso daquele HELP, é o Bicudo que me vem a cabeça rs ele sempre me salva (Luiz, Bicudo é sobrenome e apelido carinhoso rs), eu sabia que se procurasse outra pessoa da família, deixaria todo mundo desesperado e mesmo que o Bicudo entendesse a dimensão da gravidade, ele estaria ali do meu lado, como se nada estivesse acontecendo, para me acalmar e manter meus pais calmos também. Prontamente antes das 08h da manhã o Bicudo chegou e nos levou para o hospital, no caminho passamos por ciclistas, era feriado em São Paulo, não havia o famoso trânsito da terra da garoa e eu viajei nos pensamentos observando as bikes e as pedaladas com aquele vento matinal batendo no rosto das pessoas. Como eu amo sentir o vento bater no meu rosto. eu mal conseguia encher o tórax em uma inspiração completa, e a vontade de ser uma daquelas pessoas pedalando sentindo o vento bater no rosto não me cabia dentro do peito. meus olhos marejaram de lágrimas, mas contive todas elas para poupar a mamãe o papai e o Bicudo. E na verdade, em meio a conversa paralela aos meus pensamentos dentro do carro, acredito que eles mal perceberam o quanto eu observei as pessoas de bike.
  Fazer o que eu gosto em lugares que eu gosto e com pessoas que eu gosto, tornou-se essencial em meio a toda a bagunça que virou a minha vida desde o início de 2018. Nunca foi tão importante ter um tempinho dedicado a mim. É quase impossível colocar uma bike na minha rotina em SP, mesmo que as ciclovias e a locação de bikes seja uma coisa comum e prática na rotina do paulistano. As distâncias quilométricas e o pouco tempo para percorre-las, além da necessidade de roupas brancas impecáveis na minha rotina de enfermeira, me impossibilitavam de desfrutar do vento no rosto nas deliciosas pedaladas que tanto amo desde a minha infância e nas condições que eu me encontrava, eu não tinha forças sequer para pedalar por 1 minuto. Me lembrei que nas fugas para a praia nos poucos finais de semana que consegui me proporcionar nos últimos meses, o meio de transporte mais simples e um dos mais antigos do mundo, fizeram os dias mais felizes e saudáveis no caminho "de casa para praia" ou "da praia para casa". Além das crises de risos e o bate papo com as melhores companhias, o amado vento no rosto faz completar a sensação de bem estar, daquelas que nos fazem acreditar que não temos problemas e nos levam as lembranças da infância, a lembrança imediata foi andando de bike na rua do meu avô rs quem nunca né!? Eu sempre! rs
  A prática de esportes além de baixar o hormônio do estress e nos proporcionar prazer e satisfação, vem acompanhada do benefício físico dos estímulos musculares e queima de calorias. Me indaguei nessa pergunta por alguns minutos: Como é que eu consigo ficar tanto tempo sem andar de bike e me privo dessa sensação libertadora frequentemente!? Me perguntei também quando será que eu conseguiria andar de bike novamente!? já pararam para pensar que nos dias que você tem preguiça de realizar uma simples caminhada ou de ir  para a academia, alguém em algum lugar só queria poder estar em boas condições de saúde para praticar alguma atividade física simples, que proporcione prazer. eu só queria poder sentir aquele vento matinal bater no meu rosto contra a velocidade da bike, mesmo que o cabelo ao vento em questão fosse o da peruca rsrs Fiquei muito tempo com esse desejo na mente e confesso que ainda o guardo comigo (Ainda não consegui andar de Bike depois que iniciei o tratamento com as quimioterapias, não tenho forças suficientes para isso infelizmente).
  Chegamos ao hospital, me despedi do Bicudo com um abraço apertado, daqueles que nos confortam sem precisar de palavras (Alguns amigos tem esse dom de nos restabelecer emocionalmente com abraços né!). Passei por uma triagem rigorosa no Pronto Socorro, realizei exames de urgência, fiz uso de medicações imediatas para subir a imunidade e depois de horas em observação e aguardo da reação metabólica das medicações, realizamos outros exames que lentamente apresentavam algum sinal de resposta positiva de que a imunidade estaria começando a subir, as células brancas estavam começando a dobrar de número, a febre não voltou e meus pais já estavam mais tranquilos de ver que o susto de uma possível infecção grave estava começando a se distanciar. Acalmei namorado, família e amigos pelo whatsapp, o oncologista do plantão me orientou sobre a prescrição dos antibióticos e a necessidade mais coerente de me manter por 3 dias de repouso absoluto em casa e sem contato com outras pessoas que não fossem meus pais, pois eu não teria resistência para combater qualquer vírus ou bactéria hospitalar, caso eu tivesse contato, e a manter uma alimentação saudável e hipercalórica dentro desses dias, pois o gasto de energia seria grande e reflexo disso era o meu cansaço, além da taquicardia que era uma resposta do mecanismo de compensação do coração. Segui fielmente as orientações e acredito que alguns amigos devem ficar chateados quando falo que estou dentro dos dias em que não posso receber visitas, pode parecer apenas que não quero incômodo, mas pacientes oncológicos rebaixam de uma forma tão intensa, que o mais correto realmente é viver dentro de uma bolha nos dias difíceis rs Os amigos não fazem ideia do quanto as visitas nos fazem bem, nos distraem, nos fazem rir e diminuem as horas do dia que para nós as vezes parece ter 70h rsrs além de nos lembrar o quanto somos amados, mas nem sempre as visitas são possíveis e adequadas. Passados os 3 dias de cuidados extremos em casa, retornei com meus pais ao hospital para realizar outra bateria de exames e nos certificarmos de que já estava tudo sob controle e graças a Deus já estava, meus leucócitos que precisavam estar no mínimo em 1.500, chegaram a 16.000 rs deu tudo certo e minha oncologista me liberou viajar para o congresso. Dentro desses 3 dias eu não parei de pensar nas pedaladas de bike e o quanto uma prática simples me fazia tanta diferença naquele momento. Eu sempre pratiquei esportes desde os mais tranquilos aos mais radicais e eu só orava pedindo a Deus para que eu tivesse forças para reagir bem e rápido, para poder sentir aquele vento no rosto andando de bike novamente. Fui contemplada pelos meus anseios de ficar bem e poder viajar para o RJ, mas ainda não tive o prazer de poder pedalar e voltar a ser a menina da Bike em Maresias rs pois o cansaço na viagem ainda era presente e ao retornar dias depois para SP já realizei outra quimioterapia no dia seguinte e estou cumprindo os cuidados do 2º ciclo que me pegou mais fraca que o anterior. Porém sou feliz em ter na memória que antes e 40 dias depois da cirurgia, o vento no rosto e as pedaladas fizeram meus dias valerem cada segundo, acompanhada de amigos que sempre fazem questão de tentar me proporcionar o que me faz feliz. Essa sereia na 1°foto do post, é a Dani, amiga daquelas que a gente compartilha de tudo, desde ideias, risadas, projetos, viagens, tristezas, alegrias e boas pedaladas na praia. O Bicudo é o barba ruiva da 2° foto rs
  Faça o que te faz feliz, por mais simples e tolo que pareça. Dias simples são tão especiais quanto datas programadas e esperadas. Sente na calçada, jogue conversa fora ao pôr do sol de onde quer que você esteja. E se é para estar, esteja por completo. Curta seus amigos de verdade, ouça como anda a vida deles, na maioria das vezes você até esquece seus problemas e ajuda seus amigos a resolver outros problemas (Aprendi que amizade, é deixar a minha dor de lado para cuidar da dor do outro!). Esqueça um pouco suas dores para cuidar das dores de quem se ama, fica a dica. isso faz um bem danado para ambos. Chore de rir, dê conselhos, veja o pôr do sol de onde quer que você esteja e quando ficar tarde, se possível, volte para casa de bike.

Obs: A imagem de Bike foi registrada na Praia de Maresias SP, cerca de 15 dias antes da cirurgia mamária. Cumprindo a prescrição de cerca de 20 minutos diários de exposição solar com proteção. No pós cirúrgico a prescrição foi evitar movimentos bruscos, não realizar esforços e não se expor ao sol no período de 40 dias no mínimo (Lembrando que realizei quadrandectomia / setorectomia e cada caso é um caso, minhas restrições foram pensadas na pele para boa cicatrização do ponto de cirurgia plástica e boa fixação da glândula mamária) e caso houvesse necessidade de exposição solar, os bloqueadores e a proteção de roupas com filtros UV são essenciais. Após o início das quimioterapias, a exposição solar é proibida e os cuidados com bloqueadores são redobrados, pois a pele fica fotossensível.

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