TUDO BEM não estar TUDO BEM

Por mais que os dias sejam de vibe boa em sua maioria, tem dia que o mundo desaba na cabeça e fica difícil administrar o furacão como se ele fosse uma simples ventania.
  Desde os dias em que encontrei o nódulo mamário, realizei exames de imagem confirmando hipóteses clínicas, recebi o encaminhamento para um hospital especializado em câncer, realizei a biópsia, tive a confirmação diagnóstica no resultado da biópsia, e o tão esperado dia da cirurgia... (digo  "tão esperado", não por medo, já realizei cirurgias de grande porte em situações de emergência como o apêndice suporado. SIM faço testes cardíacos com os meus pais a um tempinho já rs. Digo "tão esperado" por ansiedade mesmo, não via a hora de me livrar daquela porcaria que até então vivia dentro de mim). Descobri que eu não tinha me deparado com um "bad day" de verdade. E então o tal dia chegou. Destraída em meio as risadas que dava com o papai, cheguei no ambulatório da oncologia para retirar a senha e aguardar uma conculta com a oncologista que acompanharia meu caso clínico a partir daquele dia. Enquanto o papai foi beber um copo de água, sentei, me recompus e quando menos percebi, bati o olho na titulação da senha que retirei na recepção. "Quimioterapia". Como eu evitei essa palavra, eu não falava, não cogitava, não queria nem pensar e isso me dava forças para seguir, afinal vivemos um dia de cada vez. Mas o dia em que eu não teria como fugir para não falar dela chegou. Eu havia feito um coque nos meus longos cabelos quando fugia da chuva a caminho do hospital, assim q entrei logo soltei os cabelos e percebi mulheres olhando o balanço dos cabelos de comprimento dourado, descoloridos e queimados de sol, por não fazer parte da minha rotina hospitalar anteriormente, estar alí era uma novidade até então. Foi quando realmente avaliei o momento friamente, e vi que os olhares para os "longos cabelos" registravam a mudança que estava por vir, acompanhada do início do tratamento. Nunca desejei tanto que uma senha não chegasse no meu número, me deu um nó na garganta, um vazio no estômago acompanhado de um frio sem fim. Abaixei minha cabeça para não cruzar o olhar com mais ninguém e fixei os olhos na senha. Eu diria que o momento foi assustador. Por não querir que o papai percebesse todo o choque que aquela senha me causou, peguei o celular e fui mexer nas minhas imagens, quando me dei conta que aquele dia seria inesquecível, passaria naquela tarde pela avaliação oncológica para o planejamento tão temido do tratamento. Resultou em registrar essa foto no celular. Acredito que essa foto pode não ser a imagem que mais chamaria a atenção dentro dos meus registros, mas para mim, é a imagem que mais me tirou o ar nos últimos tempos. Eu preferiria estar em qualquer outra fila, com fome, sozinha, com vontade de fazer xixi, sentindo frio, molhada de chuva e com uma senha de 1.000 pessoas na minha frente ao invés de estar ali. Nunca mais reclamarei de senhas para filas de banco. Terei prazer em aguardar filas de supermercado. E não reclamarei por ter que aguardar as senhas numerosas de órgãos públicos. Porque essa senha sim, foi uma senha que eu jamais esquecerei, guardarei na memória eternamente a tristeza que me abateu naquele momento. Não chorei. Mas meu coração chorou. Eu vivia dias de força e a "positive vibe" de sempre, porém esse mísero pedacinho de papel conseguiu tirar minha paz. Após a consulta e a confirmação de que eu realmente não escaparia da temida quimioterapia, fiquei sem chão. Queria me livrar daquela senha, como se isso fosse me trazer o equilíbrio que busco para minha saúde, sem precisar do tratamento quimioterápico. "Bad day", em minas eu diria "hoje deu ruim" rs mas vamos de "Bad day" mesmo. E esse bad day se prorrogou por alguns dias para me provar que, tudo bem não estar tudo bem. Era chegada a hora em que eu teria que começar a administrar as notificações e explicações para família e amigos. Saber a dor e o desespero que eu causaria já me abatia de tal forma, que me fez adiar os encontros familiares várias vezes, eu não conseguia tocar no assunto com ninguém, apenas sorria com olhar vago e pensamentos aéreos. Essa foto me ensinou que não podemos ser felizes plenas tranquilas e confiantes todos os dias. Não somos de ferro. Então nos dias seguintes aprendi a me permitir, e se hoje eu não estiver bem, tudo bem  não estar tudo bem!

  

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