1° Quimioterapia

  Enfim, o dia da quimioterapia chegou. Junto com ele o anseio de começar logo o tratamento, para acabar logo e poder afirmar: Ganhei alta médica, acabou, venci todos os dias! Tive dias em que eu acordava e ia até a gaveta onde guardo os controles e resultados de exames, para ver se tudo não era apenas resultado de uma noite com sono pesado e sonhos ruins. O único dia em que eu acordei e não restavam dúvidas, foi a manhã do dia em que eu realizaria a quimioterapia. Eu havia raspado a cabeça na noite anterior que por mera coincidência, mexi na agenda médica do controle de datas e me deparei com a surpresa de que eu havia trocado as datas, me confundi e eu não faria a quimioterapia na sexta feira e sim na quinta feira que eu tinha programado apenas ir ao laboratório colher sangue, encontrar as amigas e ir doar os cabelos. Mal dormi por ansiedade. Por costume em já acordar arrumando a longa cabeleira, já fui logo procurando os cabelos ao ouvir o despertador e aquele friozinho na barriga apareceu. Era real, cabelos raspados, dia de fazer o bem para outra pessoa doando meus cabelos e também me fazer o bem, de uma forma nova e nunca em anos imaginada. Dia da 1° quimioterapia. E depois de cumprir o cronograma da manhã com o namorado e as amigas, liguei para o papai para avisar que deu certo, colhi sangue a tempo e conseguiria realizar a quimio (Depois de uma negociação nos dias anteriores, meus pais cederam ser acompanhante, para o meu namorado poder ir comigo, e se você não leu o post anterior, vou te avisar rs o nome dele é Philipe, vugo Mineiro para os amigos de SP, mas leia o post anterior pois tem muito amor e emoção nele também rs) já que provavelmente nas próximas sessões de quimioterapia o Philipe não conseguiria estar presente, por morar em MG e estar concluindo carreira acadêmica por lá (sim, eu namoro a distância e vivemos em ponte aérea a quase 3 anos, em um outro post conto mais sobre como administrar tanta loucura e emoção no meio da vida profissional e amorosa com a saúde mental extremamente alinhada rs). Na ligação com o papai, ele em soluços me desejou bençãos dos altos céus, calma e serenidade para a sessão de quimioterapia. Ouvindo a voz em meio aos soluços que pareciam querer me afagar em um abraço daqueles de tirar o fôlego, imaginei como deve doer para um pai e uma mãe, saber que submeterá o filho a determinado sofrimento, mesmo que seja para o bem. Porque temos que ser realistas, quimioterapia não é um tratamento simples e indolor, e ninguém fica tranquilo em saber os riscos que se corre com a baixa da imunidade causada pelo tratamento. Ouvir aquela aflição doeu muito na minha alma, mas me mantive forte e confiante para que ele se fizesse forte também. Depois de um breve almoço e boas risadas com as amigas, eu e o Philipe retornamos para o hospital. Só me dei conta da cena, quando uma amiga narrou dias depois o quanto foi triste nos ver entrando no hospital de mãos dadas, para dar início a todo o processo. Logo ela que está acostumada a me ver caminhando de mãos dadas com o Mineiro na praia de Maresias, para esperar o meu tão amado pôr do sol (vício mais delicioso da minha vida, faça isso sempre que puder, troque energia e luz com o sol e com pessoas que você ama a cada  final de tarde que a vida te proporcionar poder parar e aguardar o colorir do céu ao sol partir).
  Dada a burocracia hospitalar de rotina, só tenho a agradecer a humanização e as colegas Enfermeiras do Hospital IBCC, por nos confortarem nesse momento inicialmente tenso. E para ajudar a quebrar o gelo, descobri que uma das Enfermeiras da quimioterapia foi minha colega de sala na faculdade, sorte a minha, pois era uma das mais dedicadas rs e no bate papo da espera, fui alojada em um repouso confortável para realizar a sessão. 
  Em um contexto simples para entendimento, na década de 1950, os primeiros medicamentos contra o câncer exploravam a incrível capacidade das células doentes se multiplicarem rapidamente. Hoje chamamos esses medicamentos de QUIMIOTERAPIA. Nome temido esse né, mas de temor, passei a ter amor por esses fármacos que atacam e causam lesões diretamente no DNA das células em multiplicação, esgotam as substâncias usadas na fabricação do DNA, atacando os microtúbulos, impedindo uma nova divisão do DNA. Atingindo diretamente os alvos do tratamento contra o câncer. 
  Até aí, tudo segue lindamente, mas a infelicidade é que para que tudo isso aconteça na multiplicação das células cancerígenas, também ocorre esse mecanismo de ação na multiplicação de várias células saudáveis e acompanhando este fato as mortes celulares acontecem de forma geral e somos presenteados com os efeitos colaterais. E olha, não são nada legais. Me senti em um teste de resistência. O Efeito colateral mais evidente é a queda dos cabelos e para este, etapa superada né rs... 1x0 pra mim rs já havia me preparado muito bem para isso e já estava usando minha peruca front lace que ganhei com muito amor. Outros efeitos se dão no enfraquecimento notório das unhas que descamam, ficam mais molinhas, mas nada que uma lixa e um bom esmalte não resolva até então. Eu já era experiente em acompanhar pacientes oncológicos e ajudá-los a driblar os enjoos e náuseas, queimações gástricas, juntamente com as aftas que surgem na boca. Mas agora a vivência me faz definir ainda mais precisamente todas as alterações físicas e emocionais que ocorreram nos últimos dias, e se você acha que já se sentiu cansado alguma vez em que adquiriu a maior gripe da sua vida, esqueça, você definitivamente não sabe nem de longe o que é cansaço intenso de verdade, causado por enfraquecimento fisiológico.  Por outro lado, temos a felicidade de que algumas das células de multiplicação mais rápidas do corpo humano são as nossas células de defesa. Abençoados neutrófilos, células brancas que combatem as infecções, e seguem em multiplicação a cada 5 horas a 5 dias. São extremamente sensíveis ao tratamento. De acordo com o tipo de medicamento e a dose administrada, pode haver uma queda importante do número de neutrófilos, o que chamamos de neutropenia. Para a maioria dos medicamentos essa queda acontece entre o dia 7 e 14 depois do tratamento, voltando a subir depois que o efeito do medicamento passa.
  Realizei a aplicação da quimio que se deu por cerca de 04h e 40min. E fisicamente posso falar que senti cada ml/h que entrava no meu corpo. Para o meu caso clínico uso drogas de combinação, não faço uso das quimioterapias popularmente chamadas por nome de cor, branca ou vermelha. A sensação de "missão cumprida" mais uma vez me preenchia, porque a satisfação de que a guerra contra as células cancerígenas estava iniciada, me era prazerosa naquele momento. Positividade é tudo. Acredite, eu acredito! Foi cansativo, saí sonolenta e ao chegar em casa já senti alteração amarga no paladar, mesmo assim jantei leve e saudável (falarei mais em outro post sobre as orientações e dicas nutricionais que auxiliam no tratamento), percebi que além do frio em SP eu estava mais friolenta que o normal. No dia seguinte já tive alterações físicas mais evidentes, a saliva havia sumido, não sentia dores mas um sono e uma fraqueza inicial considerável. Já dei início a prescrição da escovação dentária obrigatória no mínimo 3x ao dia e após cada refeição, seguindo também com bochechos de 1 colher de bicarbonato de sódio em 1 copo de água para prevenir mucosite, que é muito comum nesse momento do tratamento. No segundo dia a fraqueza já começou a sinalizar que meu metabolismo estava entrando em processo de batalha. Me alimentei mesmo sem fome e nauseada, comi frutas, sopa de legumes, carne magra refogada, vegetais. A dificuldade para engolir já estava começando a me mostrar o quanto seria difícil, saíram fissuras laterais na língua que faziam até a água queimar assim que ela entrava na minha boca.
  Chegou então o momento em que o emocional ficou balançado. No terceiro dia a fraqueza era tanta, que o corpo todo doía deitada sem eu precisar me mexer, depois de horas me encorajando para levantar e ir até o banheiro, vi que não conseguia ter forças para ficar em pé. Vi a aflição e a dor nos olhos da mamãe, por me ver pedir ajuda para levantar. E nada tinha sinal de que ia melhorar. Precisei de uma cadeira para poder tomar banho sentada. Eu nunca havia passado por ausência de força motora na minha vida, é muito triste . E sorrindo para não deixar a mamãe se entristecer. Conversando lentamente. Bebia muita água gelada, para aliviar a sensação horrível de secura na mucosa da boca e as fissuras da língua, a contradição é que a orientação é de um consumo de cerca de 3L de água por dia, e quanto mais se bebe água, mais nauseada se ficava. Juntamente com todo o mal estar e dores no corpo que eram mais intensas do lado direito onde realizei a cirurgia mamária, fui presenteada com uma constipação instestinal com dores abdominais que se estenderam por dias. Me peguei contando quantos dias já tinham desde a aplicação da quimioterapia e comecei a rir com a mamãe, era apenas o terceiro dia e eu achando que ja teriam passado muitos dias e eu poderia ter perdido a conta. 
  Até o segundo dia, o Philipe cuidou de mim nas madrugadas, já na madrugada para o quarto dia, pedi para a mamãe dormir comigo, porque o Philipe já tinha retornado para MG. Sábio pedido esse meu. Foi a pior madrugada. O paciente oncológico tende a ter vários efeitos colaterais ruins, mas a única coisa que não é sinônimo de quimioterapia nesse momento, é a febre. Meu rebaixamento foi tão grande após o corpo administrar a toxicidade das drogas, que as reações foram mais intensas do que deveria ser e minha temperatura começou a subir. Entramos a madrugada em alerta e mensurando a todo momento, porque caso a temperatura atingisse 37.8 e elevasse, a orientação era procurar o atendimento do Pronto Socorro. Em lágrimas olhei para a mamãe e falei: "Mãa hoje eu realmente entendo os pacientes que estão na luta e no meio do caminho desistem, não é digno para nenhum ser humano passar por isso, eu não consigo ficar em pé, são dores sem fim. O que me conforta, é saber que eu já realizei a cirurgia, não existe mais massa tumoral em mim, agora estou mal porque estou destruindo essas malditas células. Mas eu imagino como é que fica a cabeça de quem sabe que realizará todo o processo inúmeras vezes, para começar a tentativa de diminuir o tamanho de tumores pelo corpo. E pior, também imagino como deve ser ter que aceitar passar por tudo isso inúmeras vezes, nos casos em que o câncer volta. Eu queria poder ter o dom de abraçar cada paciente e com o abraço, tirar a dor deles". Chorando também, a mamãe beijou a minha careca, enxugou minhas lágrimas, segurou as minhas mãos, olhou no fundo dos meus olhos e me pediu para pensar apenas em mim naquele momento, lembrar que está difícil mas logo logo vai passar, sentou na minha cama e orou comigo. A madrugada se resumiu em mãos dadas, e o amigo termômetro no braço de hora em hora. O poder da fé é imensurável e nos dá muita força. Imunidade e resistência fisiológica estão científica e diretamente ligadas com positividade e a força que o paciente manifesta no tratamento. Resultando em boas respostas e evolução satisfatória. Os dias difíceis se prorrogaram por mais 2 dias, totalizando 6 dias complexos somados a náuseas e vômitos, até uma melhora considerável no término da 1° semana. Me mantive restrita a ter contato apenas com o Philipe e os meus pais nesse momento e não saí de casa. No 9° dia recebi 2 visitas e fui votar, me mantive de máscara e lavando bem as mãos com frequência por respeitar meu corpo e entender que ainda estou fraca e sensível, então é melhor evitar vírus e bactérias oportunistas. No 10° dia fui ao hospital e ao shopping, saindo também de máscara e sem abusos. Me senti tão cansada depois, que ao chegar em casa dormi por várias horas. O que é muito bom, porque é durante o sono que adquirimos resistência imunológica. Os dias ruins pareciam intermináveis, mas terminaram. Aquele ditado de vó "Dias melhores virão!" Nunca foi tão bem aplicado como nesta situação. Sim, dias melhores virão, eles sempre vêm! 
Obs: Não falei sobre as medicações prescritas fixas para os dias seguintes da quimioterapia e nem sobre as orientadas para cada sinal e sintoma, pois cada caso é um caso e não tenho a intenção de induzir o uso de medicações sem prescrição médica. Mantenho apenas a orientação dos cuidados, a necessidade de uma alimentação saudável, livre de gorduras ruins e açúcares, mesmo que a deglutição esteja dificultada, o consumo de água abundante e com frequência em quantidades fracionadas, mesmo que as náuseas atrapalhe, o repouso respeitando os limites do corpo, escovação dentária 3x ao dia e após cada refeição juntamente com os bochechos com bicarbonato de sódio. E a positividade que dará forças e ânimo mesmo nos momentos mais difíceis. Tenha FÉ!

Comentários

  1. Mais uma batalha vencida! Pesada mas vencida! Não vamos deixar a peteca cair! Positividade sempre é muito importante SEMPRE! Saudades de vc !!!

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