FAZER O BEM sem olhar a quem! (CABELEGRIA)

  Não consigo mensurar em palavras a alegria de poder doar meus cabelos para a Ong Cabelegria. A Ong produz perucas para adultos e crianças em tratamento oncológico. Apóio a causa a muitos anos e incentivo família e amigos a doarem sempre que possível. Tenho um carinho especial pelo banco de perucas do Instituto de Câncer Dr Arnaldo. Passei cerca de três meses no último semestre de 2017 me dedicando em estágio não remunerado em plantões noturnos lá. E nessa experiência somei inúmeras lições de vida que levarei na mente e no coração eternamente.
  Nunca me imaginei voltando lá nestas circunstâncias, mas se a vida me propõe, eu aceito e encaro da forma que tem que ser. De peito aberto.
  Assim que comuniquei algumas amigas que doaria minha longa cabeleira,  recebi prontamente a feliz notícia que 2 delas doariam também. A parceria foi bruta, elas subiram a serra na mesma manhã para irem junto comigo, meu namorado e outra amiga, cumprir a missão da doação, antes do meu retorno ao Hospital IBCC para realizar a 1° sessão de quimioterapia (Quem tem amigo tem tudo). Não bastando, a surpresa foi maior ainda, chegando no Instituto, nos dirigimos para um salão de cabeleireiro bem tradicional, simpático e agradável do bairro (as meninas recomendaram e adoraram os cortes rs) e elas cortaram chanel para poder doar o maior tamanho de cabelo possível (o mínimo.para doação é de 20cm de cabelo). Solidárias a minha careca e a ação social de ajudar alguém no qual nem conheciam. Amo cada dia mais esses anjos que chamo de amigas.
  As fotos registram o brilho no olhar e a emoção que esse momento nos proporcionou. Não tenho palavras.
  Recebi alguns questionamentos sobre o porque eu já estava careca e me vi em inúmeras respostas iguais a esta. Eu não cogitei de forma alguma esperar os cabelos caírem para jogá-los no lixo. Existe vida e energia boa demais nos nossos cabelos, então doá-los era a minha primeira e única opção desde o início. A partir do momento que tive a certeza que o protocolo das quimioterapias estava incluso no meu tratamento, já me programei para raspar a cabeça e fazer outra pessoa feliz.
  Não posso mentir que assim que soube sobre a técnica da crioterapia (técnica que congela a cabeça a menos de 0°, horas antes a quimioterapia, durante e horas depois) para prevenir a queda dos cabelos, fui logo pesquisar sobre o assunto, liguei em clínicas para ter informações mais técnicas e de custos e me decepcionei ao ver que o câncer se faz a doença mais democrática do mundo, mas manter um tratamento que garanta a vaidade feminina não seria tão democrático assim. Convênios não cobrem o uso da touca, seu custo é bem alto e as clínicas que as fornecem exigem que você realize as sessões de quimioterapias no ambiente clínico delas, o que faz com que o custo das drogas nas clínicas aumente o orçamento.
  Como enfermeira, preferi me ater apenas a um detalhe: Se a quimioterapia é formada por drogas sistêmicas (para ter ação na circulação do corpo inteiro), qual seria o sentido de congelar vasos sanguíneos da cabeça, apenas para evitar que essas drogas que seriam minha melhor amiga neste momento, não circulassem na minha cabeça, impedindo a queda parcial dos cabelos!?  Não faz sentido algum interromper e atrapalhar a sequencia terapêutica da quimio, evitar que algumas células morram (dentre essas podem sim ter células doentes), apenas para garantir que cerca de 50% do cabelo resista.  Minha vaidade jamais teria mais força que a minha sensatez e maturidade científica e profissional. Lendo sobre opiniões médicas de oncologistas que admiro muito, tomei minha decisão por definitiva e abortei a hipótese de utilizar a tal touca.
  Passei a dar mais atenção aos casos clínicos de mulheres pacientes oncológicas e me deparei com um número imenso delas que sofrem com a aceitação do tratamento e se deprimem emocionalmente, causando rebaixamento imunológico dada tamanha tristeza, por conta da perda dos cabelos no momento do início da queda. Me coloquei no lugar delas e realmente admiti o quanto seria deprimente ver os cabelos caindo como se cometessem suicídio. E junto a toda minha força e vibe boa, preferi raspá-los por opção antes que caíssem. É engraçado o poder de domínio da situação que isso me deu. Não perdi meus cabelos para o tratamento contra o câncer, EU CORTEI MEU CABELO E OS DOEI. Parece tolo, mas essa simples atitude me fortaleceu muito. E sei que após o 14° dia da 1° químio, quando os pêlos começarem a cair definitivamente, não sofrerei, não perdi nada, eu só ganhei, ganhei mais força para provar para mim mesma que sou muito mais forte do que os efeitos colaterais das quimioterapias, ganhei a satisfação de saber que proporciono felicidade e o sorriso diário de alguém que está em algum lugar usando meus longos cabelos. Ganhei positividade, porque afinal cada um dá o que tem.
  Cortar o cabelo para a doação e raspar a cabeça, não foi uma tarefa fácil e indolor. Esse momento registrou o "PLAY" no tratamento. E depois da 1° senha da avaliação da quimioterapia, esta foi a 2° situação que me tirou o ar. Alguns amigos se ofereceram para estar junto, para acompanhar e dar força nessa situação que só de falar já soava tão difícil, mas preferi me limitar apenas a mamãe, papai e o Philipe (meu namorado. Mocinho forte esse rs tem me surpreendido a cada dia). Eu mesma fiz as mechinhas, com as mãos suando frio e entreguei a tesoura nas mãos do papai. Cortar um cabelo nunca deve ter doído tanto para ele. Ninguém conteve as lágrimas. O barulho da tesoura urrava nos meus ouvidos juntamente ao dos nossos soluços. Me vi de frente ao espelho e sem ter coragem de me olhar. Olhava apenas para o chão. Isso levou cerca de longos 20 minutos. O papai terminou por passar a maquininha e me abraçou com o abraço mais apertado da vida inteira, sentíamos nossos corações batendo e chorando juntos. Só o larguei para abraçar a mamãe, minha pequenininha de braços fortes. Me afoguei nos braços dela, me fazendo repetir "VOCÊ VAI CONTINUAR FORTE COMO ESTEVE ATÉ AQUI. VOCÊ ESTÁ LINDA E ESSE CABELO VAI CRESCER". E quando ainda não tinha coragem de me olhar no espelho, Philipe me abraçou , como se quisesse me sustentar como um guindaste, enxugando minhas lágrimas, me livrando de qualquer mal que pudesse me alcançar,  me beijando e falando "VAI FICAR TUDO BEM, VOCÊ É LINDA, CONTINUA LINDA, VAI SE CURAR, O CABELO VAI CRESCER, VAI DAR TUDO CERTO".  Essas palavras em lágrimas, vindas das pessoas que mais amo nesse mundo, me preencheram como uma bateria 100% carregada. Cercar-se de amor é essencial.
  Hoje afirmo com toda a propriedade do mundo "CABELO CRESCE". Doar cabelo é doar amor. E é exatamente assim que me senti e sinto, doando todo o amor e a alegria vividos com meus cabelos. Cada mecha ali carregava um mundo de emoções e votos de muita saúde para quem os receber. E eu sigo ainda mais forte nessa etapa.
  Ganhei uma peruca front lace de cabelo orgânico, real e muito semelhante aos meus longos cabelos. Mesmo com a aceitação da careca, vou usar a peruca para sair na rua e em ocasiões em que eu queira me sentir apenas mais uma pessoa na multidão, para garantir que nada nem ninguém abale minha força agora. Não quero correr o risco que a ignorância alheia me entristeça ou me deixe constrangida. Porque acreditem, existe muita gente sem noção e preconceituosa que consegue ferir o ego de alguém que não tem a vaidade como prioridade no momento. E para essas pessoas fúteis e vazias, eu desejo amor.

Obs: O Banco de perucas da Cabelegria dentro do Instituto de Câncer Dr Arnaldo, atende para retirada de perucas, apenas pacientes do próprio instituto. Para demais retiradas, realize contato por email ou cheque a proximidade de bancos disponíveis no site da Ong.

Contatos:

@cabelegria - cabelegria@gmail.com

Instituto de Câncer Dr Arnaldo - 011 3350 7088

Paradise Cabeleireiros - 011 3331 1914

Comentários

  1. Essa saga foi difícil, mas estar na cabelegria significou muito mais esse momento! Feliz de te acompanhar nessa e de alguma forma levar um pouco de conforto não soh a vc ,para quem receberá a peruca ou a equipe do hospital, feliz em ver que nossa movimentação chamou atenção de pessoas na rua que pararam por um minuto sua rotina e resignificaram esse ato, as que entraram no salão, as que almoçavam ali na frente e as que nos viram saindo com aquele saco de cabelo alegremente pela rua rs essa energia contagia e tenho certeza que seu relato também resoará na consciência de muitas pessoas, pacientes ou não. Momentos difíceis esses mas um a um eles passarão �� Tudo passa �� #teamromatt

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